segunda-feira, 28 de março de 2011

O PAULO DO MADUREIRA SHOPPING

E era a época do "boom" dos shoppings. Em qualquer lugar que tivesse um um terreninho e passasse ônibus em frente, de repente, de uma hora para outra aparecia um gênio da lâmpada, e... ZAAAAP..., de uma hora pra outra aparecia um shopping lá, como num passe de mágica.
Nem melembro mais o que tinha naquela esquina da Estrada doa Portela antes de 1989, só sei que depois das obras estava lá um prédio construído, cheio de lojas pronto para receber os ávidos
consumidores do subúrbio local e adjacências.

Às vezes ia lá para comprar camisas de gola Polo, tipo que gosto até hoje. Andava por aqueles corredores observando as vitrines para ver como eles faziam a arrumação delas.Gosto dessa arte, a de atrair pessoas por sugestão com alguns objetos inanimados. Manequins colocados propositalmente num ângulo, numa posição, mostrando como suas roupas são lindas e que você pode ter uma daquelas também, skates voadores, pendurados, prontos para um 960°, como se voassem em nossas mentes numa pista imaginária, linda arte.
Num desses dias vi, em frente à praça de alimentação do térreo, uma nova loja, era uma livraria.
Entrei. Era uma loja, não muito grande, as prateleiras eram dispostas em "L", pois viravam para a parte menor da loja para aproveitar espaço. Assim que entrei, logo um vendedor veio ao meu encontro.
- Olá, como você vai? Perguntou ele...
Era o Paulo, pude confirmar isso pelo nome escrito em sua plaquinha no peito, dourada, agora, diferente da preta com letras brancas usada pelos outros vendedores.
- Ué, você aqui?
- Ah, sim, vim transferido de lá... Eu pedi pra vir, me mudei para Deodoro, moro por aqui agora e fica melhor trabalhar mais perto de casa, né... Mas... Qual livro você vai querer hoje?
Antes que eu respondesse, ele já foi respondendo por mim.
-  Lembra aquele livro que falei pra você?
Sim, sim, eu lembrava do nome dele, nunca esqueci.
- Pois é, já comprou?
- Ah, não quero, não...
- Mas está barato, rapaz, é um "bestseller"... Olha, só NCR$ 23,50...
Naquela época a moeda brasileira era o Cruzeiro Novo.
- Não, não quero...
- Olha, vou fazer o seguinte, vou dar um desconto pra você, ele vai sair por NCR$ 20,00...
- Puxa, Paulo, obrigado, mas não dá, não... Queria até comprar, mas não dá...
- Vamos fazer o seguinte, agora eu sou sou o sub-gerente aqui e posso fazer um desconto especial pra você, dezessete cruzeiros novos e cinquenta centavos, tá bom assim?
Bem... Com aquela boa vontade toda, mais o desconto e o cara sendo tão prestativo assim, resolvi levar o livro. Nos encaminhamos até o caixa.
Temos que fazer uma pausa para que eu "atualize" você àquela época. Não havia computadores, as máquinas registradoras tinham números com "leds" verdes, o que era o máximo. As notas fiscais para trocas, muitas vezes eram feitas à mão, notas de balcão, nada de notinhas amarelas feitas de papel foto sensível. Curiosamente ele quem foi comigo finalizar a venda, não repassou a nenhum vendedor.
Paramos no balcão, ao lado do caixa, perto do telefone.
Ele escrevia rápido na nota.  Alguns minuto após ter iniciado o telefone tocou e Paulo atendeu:
- Alô... Oiiiiiii, tudo bem? Siiiiiiiiim, siiiiiim...
Continuei esperando, as expressões dele haviam mudado para algo mais distante.
- Sei, sei... Não, tá tudo bem, tudo resolvido... Siiiiiiim, tá levando, sim... Pode deixar comigo, to terminando...
Mesmo que eu não quisesse, por estar perto acompanhando a nota, não pude deixar de ouvir a conversa e curiosa e instintivamente completa as perguntas vindas do outro lado da linha em minha mente.
Ele acabou de preencher a nota me entregou e mandou que eu entrasse na fila para pagar, não entedi o por que do fim da amabilidade. Entrei na fila, paguei e me despedi, segui meu caminho com o Cavalo de Tróia nas mãos.
Naquela época trabalhava na Gávea e o percurso era demorado, comecei a ler o livro, as palavras vinham em minha direção agradáveis. A história de ficção onde dois astronautas viajam no tempo e ao escolher qual personagem visitariam Jesus Cristo, era impressionantemente bem descrita em seus mínimos e ricos detalhes. Seus cálculos de teletransporte e a teoria dos "swivels" mexia com meu imaginário. Lia o livro com um prazer acompanhando aquele história fascinante.
Tarde daquelas resolvi retornar ao shopping para agradecer ao Paulo, meu amigo subgerente. Não sei se falei, mas o turno dele era à tarde.
Cheguei lá, e como sempre, veio logo um rapaz me atender. Moreno, baixinho, com sua gravata vinho e a plaquinha dourada no lado esquerdo do peito, parecia o Carlton:
- Olá, boa tarde...
- Boa tarde, o Paulo está?
Ele olhou pra mim... E perguntou:
- Paulo? É vendedor? Não conheço nenhum Paulo aqui, não.
Respondi que não, que ele tinha vindo do Norte Shopping, que agora era sub-gerente e que havia comprado um livro com ele e que queria conversar.
- Não conheço nenhum Paulo aqui, não.
Ele olhou para o lado, para o outro, com a mão no queixo, virou-se para a caixa, que era a mesma da época que eu tinha feito a compra e gritou:
- FULANA!!!!!!!!!!! VOCÊ CONHECE ALGUM PAULO QUE TRABALHOU AQUI?
Ela deu um não meneando a cabeça.
Ele virou-se continuando a conversa.
- Olha, não tem nenhum Paulo aqui, não. Nenhum vendedor.
Gelei.
- Mas ele é sub-gerente.
- Olha, desde que a loja começou, eu estou aqui e sou o sub daqui...
Não entendendo nada,continuei:
- Mas quando estive aqui ele disse que era sub-gerente, talvez ele esteja de folga..
Aí ele disse como que quisesse concluir a conversa:
- Olha, aqui nunca trabalhou nenhum Paulo, não veio ninguém transferido do Norte, a não ser eu, que vou ser efetivado gerente daqui a alguns dias, e sou eu quem faz as contratações.
Silêncio pensativo...

Ia me despedindo meio aturdido com a história, e o rapaz deve ter visto em meu rosto o que ele julgou ser decepção, mas era um não saber o que estava acontecendo que eu transpirava.
Quando me virava para sair, com minha humilde sacolinha plástica onde estava o Tróia 1, ele veio e perguntou:
- Você não quer levar um livro bom, aqui, não? Está com desconto.
Novamente o ritual do caminho à prateleira aconteceu. Quando me mostrou o livro a capa surgiu:
OPERAÇÃO CAVALO DE TRÓIA 2 - A SEGUNDA VIAGEM...
Desta vez não ofereci resistência, comprei o segundo da série, e continuei lendo até o oitavo.
 Este assunto ficaria adormecido até aquela noite em que nos encontramos para conversar após a janta no trabalho, mas isso fica para a próxima.





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