terça-feira, 15 de março de 2011

O RAPAZ PRECISAVA TRABALHAR

O Pastor (Pr.) Paulo iria, finalmente se aposentar...
Após muitos anos de ministério, viagens missionárias, passando frio e dificuldades, ele iria encerrar seu trabalho pastoral. Não foi uma simples escolha, nem o desejo de descansar, mas a hepatite incurável, em fase crítica, e a diabetes, consumiam suas forças. Vi todo seu cansaço bem de perto, pois trabalhamos juntos na Igreja Batista Vila São Jorge, hoje, IB Nova Canaã, situada na comunidade do Pára Pedro, em Colégio, durante cinco anos, no Ministério de Música.
Dona Celeste combinou de fazer uma festa para comemorar este acontecimento, isso não podia passar em branco, mas seria uma comemoração com tristeza, pois temíamos que o pior se aproximava.
Tudo marcado e tratado, dia 14 de Março de 2008 eu iria cantar uma música que compus especialmente para ele. Pesquisei muito sobre sua vida, seu relacionamento com os pais e usei parte da música folclórica que conhecemos "...como poderei viver? como poderei viver?..." É como poderíamos viver sem a presença dele naquele simples púlpito. Mesmo com dores estava sempre lá, era sua vida.
Com as fotos selecionadas fizemos um vídeo e sincronizamos tudo com a música, que seria ao vivo, montamos o filme debaixo do nariz dele (santo movie maker).
Saí daqui de São José na quinta, a festa, seria no Sábado. Peguei o ônibus às 23:59h, não às 00:00h, mas às 23:59h, vá entender isso... Entrei, e pelos cálculos chegaria ao Rio lá pelas 04:30h. Fui com o dinheiro só para pegar o ônibus da Novo Rio até Campo Grande, dez reais, e fiz como ele havia explicado:
- Pega o ônibus, salta na estação de Campo Grande, pega a kombi, salta no Bairro Adriana, é pertinho.
Lá fui eu, feliz, acreditando nisso...


Descemos na rodoviária no horário previsto. Atravessei a Rodrigues Alves por baixo da passarela, como é costume do pessoal, e me dirigi ao ponto com cautela, pois ainda estava escuro e ali não é uma área muito recomendável neste horário, embora muitas pessoas estivessem no ponto.

Parei e fiquei esperando o Magarça passar. De repente, ouvi uma voz:
- E aí, como está a vida em Minas Gerais?
A voz era grave, meio gutural, com um certo tom de agressividade, e vinha da boca de um rapaz negro, forte, barba por fazer, que estava com a mão dentro de uma mochila vermelha que pendia em seu tórax.
Virei-me e respondi:
- Não tô vindo de Mina, não, tô vindo de São Paulo...
- Não, você tá vindo de Minas... Ele disse.


Passei a mão no meu rabinho de cavalo, eu usava na época,  estranhei aquilo e respondi:
- Não tô vindo de minas, não, tô vindo de São José dos Campo, São Paulo.
O cara, de repente, do nada, começou a pedir desculpas e eu não entendia nada com aquela chuva de pedidos de perdão em cima de mim. Ele não falava a palavra perdão exatamente, ele conectava umas frases continuamente que signifavam que estava muito arrependido, não me lembro qual eram as palavras.
Ele então sentou-se numa da bases de carga portuária (a rodoviária fica perto do porto da Pça. Mauá) e passva a mão no rosto, como que preocupado.
Fiquei intrigado, achando que tinha sido mal educado com o rapaz ou mal entendido, afinal ele só me perguntou se eu chegava de uma cidade de onde eu não vinha... Achei que talvez tivesse sido grosseiro e fui sentar-me ao lado dele para apagar a má impressão. Ajeitei meu violão que estava em minhas costas e sentei ao seu lado pra mostrar que não havia me importunado. Assim que me sentei começamos uma conversa:

- Pô, cara, quer dizer que você tá vindo de São Paulo, São José dos Campos?
- É, moro lá há quatro anos.
- E como é que é lá, é bom pra trabalho?
- Bom, o dinheiro rola bem lá...
Aí me interrompeu e reiniciou com aquela avalanche de pedidos de desculpas e perdão, parecia uma ladainha, sempre com a mão dentro da mochila, agora em seu colo. Assim como começou ele parou, acho que ele não aguentava mais (nem eu) e disse olhando pra mim:

- Cara, eu ia te matar!
Aí, puxou de dentro da bolsa uma pistola, pra mim parecia prateada, mas acho que neste momento, e nem naquele, a pintura dela não é interessante.

- Você é "igualzin" a um cara do Morro dos Macacos "igualzin", até o rabinho de cavalo!

Bem que minha mãe não gostava dele
- É mesmo? E o que que esse cara fez?
- Rapaz, o cara, detonou  uma menina lá e o chefe falou que ele ia chegar agora de manhã aqui na rodoviária e eu ia pegar você.
- Aaaaaaaaaaah, respondi, vacilou no morro tem que matar mesmo (ou você acha que eu ia discordar?)

- Afinal o que é que você veio fazer aqui? Perguntou ele.
- Ah, eu vim cantar na aposentadoria de um pastor amigo meu, e...
- Iiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiih, ainda é irmão!!!!!!!!!!! Puxa, vida, ia errar duas vezes, os caras lá am me detonar, matar o cara errado e ainda irmão, xiiiiiiiiiiii..."tava" perdido... Mas cara, quando você falou comigo eu senti que você não era ele(graças a Deus), ele não fala assim...

Antes de continuar deixa eu explicar os arredores da Rodoviária Novo Rio.
Ela fica na zona portuária do Rio de Janeiro, limitada, sua frente e fundos, pela Av. Rodrigues Alves, onde nós estávamos, e a Rua Equador. À sua entrada tem uma passarela que fica sobre a Rodrigues e de frente para vários pontos de ônibus, onde num deles estávamos nós.

- Olha só, tá vendo aquele cara lá em cima da passarela?
- Tô...
- Então, eu ia dar uns tiros em você, se você corresse pra lá ele ia mandar chumbo em cima de você.

Parou a conversa e gentilmente gritou fazendo o sinal de PARE com a mão espalmada em direção à passarela:
- Espera, não é ele, não é ele não! (você tem que ler isso como se ele estivesse gritando com seu vozeirão africano bem no seu ouvido e ainda se sentindo feliz por isso, afinal,não podemos contrariar o cara, né?).

- Agora, tá vendo aquele cara dentro daquele carro em frente a calçada, lá do outro lado?
Voltou a proferir a mesma frase e gesto com vigor igual a anterior.
- Pois é, depois que eu atirasse em você ele ia vir aqui pra me pegar e ia de dar uns tiros de escopeta bem na sua cara.

Bom, só conheço a escopeta calibre 12 e seus efeitos dos jogos de video game, aí comecei a achar que esse cara era o meu herói.
Tudo resolvido, todo o mal entendido já havia sido desfeito, ele já havia desculpado, e se ele quisesse, até eu pediria desculpas por não ser o cara e estar ali desviando sua atenção do trabalho afinal a produção e eficiência são importantes numa empresa, seja qual for seu negócio, estávamos prontos para seguir nosso caminho, cada um o seu quando ele virou-se pra mim e disse:
- Olha, não tô te assaltando, não, mas não dá pra você me arrumar uma grana, uns dez reais, pra botar um gás no carro? É que a gente vai matar o cara ainda e tem que dar um "gás" pra sair da área...
- Ih, cara, não dá não, respondi, minha passagem quem vai pagar é o pastor tô sem grana...
- Tudo bem, tudo bem, já te incomodei demais (que isso..., nada...).

Levantou-se, olhando para os lados, e falou pra mim:
- Olha, vou ter que fazer o cara ainda, afinal, tenho uma filha pra sustentar, né? Você podia fazer um favor? Pediu educadamente.
Não dá alarme da gente aqui não, tá, que eu vou ali pra frente onde eu estava quando vi você, não quero cobrança do meu chefe.
E saiu andando fazendo sinal de tudo bem pra passarela e pra frente da rodoviária...
Afastei-me um pouco do local da conversa e não esperei o Magarça, peguei o primeiro ônibus para a estação de Campo Grande que passou.
Fiquei feliz em ficar naquele ônibus por quase duas horas, depois pegar a kombi, e andar por mais 10 minutos até a casa do pastor Paulo e Da. Celeste e abraçá-los.

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